domingo, 13 de março de 2011

Literatura fantástica


Tida durante muito tempo como gênero menor, a literatura fantástica produziu, no entanto, obras de interesse universal. Na segunda metade do século XX, ganhou imensa popularidade a vertente fantástica latino-americana conhecida como realismo mágico.

Entendida como qualquer tipo de criação literária que não dê prioridade à representação realista, a literatura fantástica engloba mitos, lendas, contos de fada, contos folclóricos, escritos surrealistas, contos de horror etc. -- e qualquer texto que se situe em territórios diferentes da realidade imediata ao ser humano. Mais propriamente do que gênero literário, a literatura fantástica é uma tendência, observada ao longo de toda a história da literatura.


Sua antecessora, na era clássica, é a sátira menipéia (que tem o nome de seu criador, o filósofo grego Menipo) que, ligada à tradição carnavalesca, rompia todos os condicionamentos de probabilidade ou realismo. São romances desse tipo Metamorfoses, conhecido como O asno de ouro, de Apuleio, e o Satiricon, de Petrônio.

O maravilhoso na literatura

Embora se entenda o fantástico, tradicionalmente, como tudo aquilo que se distancia da imitação convencional do real, é importante distinguir o maravilhoso do fantástico propriamente dito. Os relatos maravilhosos são aqueles que, mesmo situados fora do mundo da realidade, narram acontecimentos ocorridos num passado cronologicamente indeterminado. O narrador é onisciente e apresenta seu relato de tal forma que não há espaço para questionar sua história, coerente em si mesma.

Entre esses relatos se encontram os contos folclóricos e de fadas, que figuram entre as primeiras manifestações literárias não escritas. Uma das compilações mais importantes desse tipo de relato é atribuída aos irmãos Grimm. No livro Kinder und Hasmärchen (1812-1822; Contos das crianças e da casa), recolheram grande número de narrativas da tradição popular alemã, muitas das quais, como as histórias de Chapeuzinho Vermelho e da Gata Borralheira, se tornaram mundialmente famosas.

Dentro do maravilhoso se incluem outras modalidades narrativas de grande difusão, tais como o romance pastoril, iniciado pelo italiano Jacopo Sannazzaro, com Arcadia (1504); o romance bizantino, que começou a ser escrito ainda no mundo helênico; a alegoria ocultista medieval e as histórias de cavalaria, iniciadas com as lendas do rei Artur, os cavaleiros da Távola Redonda e a busca do Santo Graal.

Ao maravilhoso pertencem ainda obras como Gulliver's Travels (1726; As viagens de Gulliver), de Jonathan Swift; Wonderful Wizard of Oz (1900; O mágico de Oz), de Frank Baum; Die unendliche Geschichte (1979; A história sem fim ), de Michael Ende, e The Lord of the Rings (1954-1955; O senhor dos anéis), no qual o autor, J. R. R. Tolkien, ao mesmo tempo em que trata temas como o poder, ambição, guerra e morte numa dimensão muitas vezes épica, concretiza uma das maiores criações mitológicas da literatura de todos os tempos.

Características da literatura fantástica

A narrativa fantástica não cria, como a maravilhosa, mundos novos, completamente dissociados da realidade. Ela confunde elementos do maravilhoso e do real ou mimético. Afirma que é real aquilo que está contando -- e para isso se apóia em todas as convenções da ficção realista -- mas começa a romper esse "suposto real" à medida em que introduz aquilo que é manifestamente irreal.

Arranca o leitor da aparente comodidade e segurança do mundo conhecido e cotidiano para apresentar-lhe um mundo estranho, cuja inverossimilhança está mais próxima do maravilhoso. A toda hora se questiona a natureza daquilo que se vê e se registra como real. As unidades clássicas de tempo, espaço e personagem ficam ameaçadas de dissolução. Os temas estão ligados, normalmente, à invisibilidade, à transformação, ao dualismo e à luta entre o bem e o mal. Isso gera uma grande quantidade de motivos recorrentes, como fantasmas, sombras, vampiros, homens-lobo, duplos, dupla personalidade, reflexos (espelhos), masmorras, monstros, feras, canibais etc.

Sem considerar outros antecedentes de menor importância, pode-se dizer que a literatura fantástica moderna começou no final do século XVIII, com o chamado romance gótico, que introduziu na narrativa agentes sobrenaturais e irracionais de todo tipo. O primeiro romance desse tipo foi The Castle of Otranto (1765; O castelo de Otranto), de Horace Walpole. De feição humorística é The Adventures of Baron Munchhausen (1785; As aventuras do barão de Munchhausen), obra escrita em inglês pelo alemão Rudolph Erich Raspe.

No século XIX, o gênero gótico evoluiu no sentido de abrir espaço para a análise de questões psicológicas e morais de grande transcendência. Frankenstein (1818), de Mary Shelley, mostra como a tentativa de criar um ser humano deu como trágico resultado um monstro.

O dualismo, ou seja, a manifestação de um duplo que representa uma faceta perdida da personalidade, é um dos elementos temáticos fundamentais do romance gótico. Os dois relatos mais conhecidos em que o dualismo se expressa são The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1886; O médico e o monstro), de R. L. Stevenson, e The Picture of Dorian Gray (1891; O retrato de Dorian Gray), de Oscar Wilde. Duplos ou sombras aparecem também, de forma recorrente, em obras como Penthesilia (1808), de Heinrich von Kleist; Peter Schlemihl (1814), de Adalbert von Chamisso; e no conto "O sósia", de Dostoievski. Nos Estados Unidos surgiram notáveis escritores do estilo gótico, como Washington Irving, Nathaniel Hawthorne e o célebre Edgar Allan Poe.

Drácula (1897), de Bram Stoker, é uma das obras culminantes da literatura gótica do século XIX. Por meio do vampiro Drácula se realiza, de maneira horrenda, o anseio da imortalidade. Inúmeros autores, além dos citados, incluíram elementos do romance gótico em suas obras: Charles Dickens, Théophile Gautier, Honoré de Balzac, Prosper Mérimée, as irmãs Brontë e muitos outros. Dentro do grupo chamado dos "fantasistas vitorianos" destaca-se Lewis Carroll, autor de Alice's Adventures in Wonderland (1865; Alice no país das maravilhas), em que busca, no insólito, os sentidos que escapam ao senso comum.

Na literatura fantástica do século XX se observa uma tendência a representar situações tão absurdas que não se consegue vislumbrar nenhuma possibilidade de significado. Franz Kafka, autor de obras como Der Prozess (O processo) ou Das Schloss (O castelo), publicadas postumamente na década de 1920, é o autor maior dessa tendência, dentro da qual podem ser incluídos, de certa forma, muitos dos contos fantásticos de Julio Cortázar. H. P. Lovecraft, criador de um pavoroso mundo de monstros, vincula-se à tradição do romance gótico.

Outro ramo do gênero fantástico moderno toma como ponto de partida aquilo que é manifestamente irreal e fabuloso, tendência muito evidente nos contos fantásticos do argentino Jorge Luis Borges, reunidos em Ficciones (1935-1944) e El Aleph (1933-1969); os de seu compatriota Julio Cortázar, e os do peruano Julio Ramón Ribeyro. Vinculados a essa tradição do fantástico sob a forma de fábula estão diversos romances de Bernard Malamud, Kurt Vonnegut, John Bart e outros. No realismo mágico, especificamente latino-americano, misturam-se problemas sociais com acontecimentos fantásticos, como em Cien años de soledad (1967; Cem anos de solidão), do colombiano Gabriel García Márquez, e La casa de los espíritus (1982; A casa dos espíritos), da chilena Isabel Allende.

Entre os autores brasileiros, a literatura fantástica tem como um de seus representantes mais autênticos Machado de Assis, com o conto "A chinela turca"; Simões Lopes Neto, com Lendas do sul (1913) e Contos gauchescos (1926), principalmente com os contos "A salamanca do jarau" e "O negrinho do pastoreio", em que explora mitos folclóricos brasileiros; Mário de Andrade, com Macunaíma (1928); Jorge Amado, com Quincas Berro d'Água (1961); Guimarães Rosa, com "A terceira margem do rio" (1962); e José Cândido de Carvalho, com o romance O coronel e o lobisomem (1964).

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

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