A mirra é um corpo seco de homem que foi amaldiçoado. A terra não come a carne e esta vai ressecando em cima dos ossos.
Um rapaz muito vivo e engraçado entrou num cemitério com seus companheiros e ao sair viu uma mirra. Lembrou-se de dizer, por chiste:
— Está magra de fome. Venha dai cear comigo!
— Irei — disse a mirra, com uma voz fanhosa, toda passando pelo nariz. O rapaz ficou assombrado e foi dali lançar-se aos pés do vigário a quem tudo contou.
— Tens que cumprir o convite. Depois da ceia te convidará e aceitarás sem sinal de medo. Volta cá que te darei outro conselho.
O rapaz preparou a ceia e a mirra foi-lhe bater à porta à meia noite, sentando-se á mesa e comendo até não mais poder. Depois falou para o dono da casa:
— O bem que me recebeste em tua casa, devo retribuir de qualquer modo. Amanhã esperar-te-ei onde me convidaste.
E se foi embora. O rapaz não dormiu e pela manhã estava na casa do vigário que lhe deu um rosário indulgenciado, com o perdão da hora-da–morte e emprestou-lhe a capa com que saía.
O rapaz foi para o cemitério e encontrou a mirra.
— Está bem. Deixa a capa aqui e o rosário de que não tens necessidade lá dentro.
— Não, que está frio e do rosário não me separo!
A mirra teimou e o rapaz não cedeu. Estiveram debatendo esse ponto, quando a mirra declarou:
— Assim não te posso levar para cear comigo Não posso ficar junto da capa dos ministros de Deus e das armas de Nossa Senhora. Vai-te, e não tornes a brincar com os que não vivem…
O rapaz pôs-se fora o mais depressa que pode e nunca mais disse graças com os mortos.
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Fonte: Os melhores contos Populares de Portugal. Organização: Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora, 1944.
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