1.   O pai toma a primeira camisa usada pela criança, criva-a de agulhas,   coloca-a dentro de um pilão de chumbar café e, com a mão de pilão,   soca-a até que as agulhas penetrem na madeira do pilão — ou seja, no   corpo da bruxa, que, não podendo resistir à dor, vai procurar a família,   para confessar-se culpada, e perde o encanto.
2. Põe-se uma ceroula do pai, disposta em cruz, sobre a criança. Reza-se   o creio-em-deus-padre de trás para diante. Sobre a mesa, ou numa   cadeira, coloca-se um pires com água benta, conseguida na igreja, ou   comum, apanhada na fonte numa sexta-feira antes do nascer do sol; dentro   do pires, um bocado de cera virgem e a chave da porta principal. Os   pais devem ficar acordados e atentos,no escuro. Quando a criança chorar   (sinal de que a bruxa está a chupar-lhe o sangue), os pais devem, com a   cera virgem, tapar o buraco da fechadura. Basta aguardar então o   desencanto da bruxa, que se dará exatamente quandoo galo preto cantar.
3. Dentro de um baú de folha-de-flandres acende-se uma vela benta;   reza-se o creio-em-deus-padre, de trás para diante, sobre a chama da   vela e abaixa-se a tampa do baú de tal modo que o ar possa nele   penetrar, mantendo viva a chama. Coma casa às escuras, todas as chaves   devem ser retiradas das portas e colocadas em cima do baú. Quando a   criança chorar, os pais apanham as chaves de cima do baú, introduzem-nas   nos buracos das fechaduras e acendem as luzes. Presa, a bruxa, coagida   pela oração e pela vela benta, tenta fechar o baú. E, ao sentar-se em   cima dele, perde o encanto.
4. Uma variante da anterior. Num meio alqueire de medir farinha, junto à   cama da criança, acende-se uma vela benta, sobre a qual se reza o   creio-em-deus-padre de trás para diante. A casa deve ficar às escuras,   com todas as chaves sobre o meio alqueire. Quando a criança chorar, os   pais apanham as chaves, introduzem-nas nas fechaduras e acendem as   luzes. A bruxa, sentindo-se presa, procurará sentar-se sobre o meio   alqueire, com o que se desencantará.
5. Põe-se uma tesoura, aberta em cruz, numa mesa próxima ao berço da   criança. As chaves das portas devem estar num pires com água benta. A   casa estará às escuras. Quando a criança chorar, os pais introduzem as   chaves nas fechaduras e acendem as luzes. A bruxa, que tem horror a   tesouras abertas, perde o encanto.
6. Cozem-se folhas de guiné, cordão-de-frade, limoeiro e arruda, nove   dentes de alho e um pouco de mostarda. Com esse cozimento dá-se um banho   na criança. Todos os irmãos e todas as pessoas da família, residentes   na casa, devem lavar os pés na mesma água, até chegar a vez do pai, que   reza o creio-em-deus-padre, de trás para diante, sobre a vasilha.   Fecha-se então a porta, deixando-se a chave em falso, quase a cair, pela   parte de dentro. Põe-se a vasilha com a água do cozimento abaixo da   fechadura. Para penetrar na casa a bruxa deve empurrar a chave, que   cairá dentro da vasilha, fazendo com que ela se desencante. Esta   armadilha deve ser preparada às sextas-feiras, à hora da ave-maria.
Se estas armadilhas, mais simples, não dão resultado, — há bruxas mais   sabidas e mais experientes do que as outras, que não se deixam apanhar   com facilidade, — preparam-se outras, mais fortes e mais terríveis, não   apenas para desmascarar, mas também para revidar, de algum modo, os   poderes maléficos das bruxas, como as duas seguintes:
7. Num prato com água, perto da cama da criança, põem-se nove dentes de   alho, numa sexta-feira, à hora da ave-maria, rezando-se o   creio-em-deus-padre, de trás para diante. Uma faca bem afiada deve estar   sob a cama do doente. Retiram-se todas as chaves das portas, para que a   bruxa possa entrar. Quando a criança chorar, dá-se-lhe uma colherinha   da água que está no prato e corta-se, com a faca, um pedacinho da ponta   de uma fita vermelha, comprida, que surgirá descendo da cumeeira da   casa, em direção à boca da criança. Guarda-se o pedaço da fita, sem nada   dizer a ninguém. Uma história corrente, relativa a esta armadilha,   conta que o pedacinho de fita vermelha se transformou, no bolso do pai,   numa orelha humana — a orelha da bruxa, que deste modo pôde ser   identificada.
8. À hora da ave-maria, numa sexta-feira, põe-se, numa mesa próxima à   cama da criança, um copo de cachaça sobre uma carta (usada) de baralho;   com um cigarro de palha, de fumo-de-corda forte, e uma faca afiada e   pontiaguda, faz-se uma cruz sobre a mesa. Reza-se o creio-em-deus-padre,   de trás para diante. Quando a criança chorar, retira-se o copo de cima   da carta de baralho, apanha-se a faca e com ela se golpeia ou decepa   qualquer parte de um bicho que aparecerá nas bordas do copo ou em cima   do cigarro ou da carta de baralho. Uma estória referente a esta   armadilha conta que o pai, tendo cortado a pata de uma rã que se   equilibrava na borda do copo, viu-a transformada em dedos humanos — os   dedos da bruxa que chupava o sangue do seu filho.
Nestes dois últimos tipos de armadilha, no dia seguinte corre a notícia   de que uma mulher da vizinhança foi acidentada. O pai, que deve manter o   maior sigilo, terá de procurá-la, para que a armadilha dê o esperado   resultado — a transformação mágia, em parte do corpo, das coisas que   conseguiu arrancar à bruxa, quando esta cumpria seu triste destino.
Sempre que preparam uma armadilha, os pais devem estar prevenidos com um   rabo-de-tatu, conservado no fumeiro da cozinha, para, quando a bruxa   reassumir a forma humana, aplicar-lhe uma boa surra, até fazer sangue.   Para reforçar a quebra do encanto, as feridas da bruxa devem ser lavadas   em salmoura — sal, pimenta e alho ou sal, cachaça e vinagre.
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FONTE: Cascais, Franklin. "As bruxas da ilha de Santa Catarina". Revista   Brasileira de Folclore, ano 3, nº 6, maio/agosto de 1963, p.125-130)
 

 
 
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