quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Mitos secundários do Maranhão e Piauí - I

No interior do Maranhão (donde parece não ter migrado para nenhuma outra circunscrição política do Brasil), existe um mito singular, que se liga simultaneamente aos da lobis-mulher e do mboi-tatá: é a curacanga.

Conforme dados fidedignos, ouvidos de quem nasceu naquela zona e que me foram transmitidos pelo senhor J. da Silva Campos, é a seguinte a tradição ali corrente:

- Quando qualquer mulher tem sete filhas, a última vira curacanga, isto é, a cabeça lhe sai do corpo, à noite, e, em forma de bola de fogo, gira à toa pelos campos, apavorando a quem encontrar nessa estranha vagabundeação. Há, porém, meio infalível de evitar-se esse horrido fadário: - é tomar a mãe a filha mais velha para madrinha da ultimogênita, ou seja, a filha mais nova, caçula. [1]

1. Pádua Carvalho (apud F. J. de Santana Néri, Folklore brésilien, p. 31) refere-se ao capelobo, que no Pará é conhecido pelo nome de kumacanga, e que tanto pode ser o sétimo filho varão, oriundo de conúbio sacrílego, quanto a concubina de padre. Pelas noites de sexta-feira, o corpo fica em casa, despojado da cabeça, a qual sai pelos ares, transformada em bola de fogo. Assim, o mito da curacanga do Maranhão é o mesmo que o do Pará, divergindo apenas no nome, quanto à uma consoante. Viriato Correia, num dos seus livros de contos, dá à mula-sem-cabeça a apelação de cavalacanga, que ouviu entre os habitantes do interior maranhense.

Estudou o doutor Walter Hough os mitos de origem ígena do Novo Mundo (ver ‘Fire origin myths of the New World, in Anais do XX Congresso Internacional de Americanistas, I, 179-184), mas apenas se referiu ao dos índios norte-americanos. Se continuar tais investigações, por certo não se esquecerá ele de que na América do Sul há os do mboitatá, da curacanga e dos yakãrendys.

Fonte: Jangada Brasil in O Folklore do Brasil - Basílio de Magalhães
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Basílio de Magalhães, professor, historiador, jornalista e folclorista, nasceu em São João del Rei, MG, em 17/6/1874, e faleceu na cidade de Lambari, MG, em 14/12/1957. Mestre do folclore brasileiro, foi um dos primeiros a aprofundar seu estudo e a atribuir-lhe significação erudita. Entre abril de 1941 e agosto de 1942 escreveu em Cultura Política, Rio de Janeiro, uma série de artigos sob o título “O povo brasileiro através do folclore”. Sobre folclore publicou O folclore no Brasil (com uma coletânea de contos organizada por João da Silva Campos), Rio de Janeiro, 1928 (2ª. ed., Rio de Janeiro, 1939; 3ª. ed., revista por Aurélio Buarque de Holanda, Rio de Janeiro, 1960); O café. Na história, no fo/clore e nas belas artes, Rio de Janeiro, 1937 (2ª. ed., aumentada e melhorada, São Paulo, 1939).

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