segunda-feira, 2 de abril de 2012

A armada do Dragão


No outono de 2001, em um pequeno antiquário da cidade de Xangai, estava pendurado na parede, entre outras relíquias, um velho mapa-múndi (figura ao lado) acumulado de poeira. Os olhos atentos de Liu Gang, um dos mais respeitados advogados corporativos da China e colecionador de antiguidades nas horas vagas, examinando o achado, logo notou algo estranho.

O mapa estava coberto de anotações em caracteres chineses e uma delas continha a data em que foi desenhado - 1763. Mais abaixo, lia-se: "O cartógrafo Mo Yi Tong copiou este mapa a partir de um original de 1418". A informação era um contra-senso - pelo menos no que dizia respeito à história que se aprende nas lições escolares. Porque o mapa mostrava, com riqueza de detalhes, as Américas e a Austrália. Ou seja, todo o "Novo Mundo", supostamente descoberto por exploradores europeus a partir de 1492, na aventura de conquista que ficou conhecida como Era dos Descobrimentos.

Liu Gang pagou US$ 500, uma pechincha no mercado de antiguidades chinesas, e levou o mapa para casa. Durante os 3 anos seguintes, ficou se perguntando se o documento não seria uma farsa. Até que um dia leu o livro 1421 - O Ano em Que a China Descobriu o Mundo, do ex-oficial da Marinha britânica e historiador diletante, Gavin Menzies (escrita em 2002, a obra também foi lançada no Brasil).

Embora nunca tivesse ouvido falar do mapa de Liu Gang, Menzies defendia uma tese que lhe caía como uma luva. A partir de uma pesquisa feita ao longo de 14 anos em diversas partes domundo, o ex-marinheiro concluiu que aquilo que os historiadores ocidentais diziam há centenas de anos estava errado: foram os chineses os primeiros exploradores a alcançar o Novo Mundo - e isso quando Cristóvão Colombo nem era nascido.

Revelado à comunidade científica em janeiro de 2006, o mapa do honorável Liu Gang incendiou manchetes e controvérsias ao redor do mundo. Para alguns, não passava de farsa; para outros, era mais uma entre muitas chibatadas no velho mito dos descobrimentos europeus.

A armada fantástica

No início do século 15, a China era, de longe, a nação mais avançada da Terra: seus exércitos já empunhavam armas de fogo quando ingleses, portugueses e espanhóis ainda se espetavam com lanças e flechas. E o maior contraste entre o avanço da China e o atraso europeu estava na engenharia naval.

Xilogravura chinesa do séc. XVII, que se crê representar a frota de Zheng He.
Por volta de 1400, Zhong Di, o imperador que levou a dinastia Ming ao seu auge econômico, construiu uma frota de 300 ba chuan ou "navios de tesouro" - monstros náuticos com 150 metros de comprimento. Relatos da época dizem que, ao serem lançados ao mar, os navios colossais pareciam uma cidade flutuante. Eram, sem dúvida, as maiores e mais mortíferas embarcações já feitas pelo homem até então.

A armada fantástica fez várias viagens pelo oceano Índico, entre 1400 e 1430. A mais famosa partiu de Nanquim no dia 3 de março de 1421, sob o comando do bravo almirante Zheng He, chinês de família muçulmana e eunuco. Os relatos oficiais dizem que o capitão eunuco navegou pela costa da África e deu meia volta nas proximidades da Tanzânia, no leste do continente. Isso não é pouco: o percurso, de 16 mil quilômetros, é praticamente o dobro da distância entre Brasil e Portugal.

Mas, desde 2002, quando lançou o livro 1421..., Gavin Menzies vem divulgando a teoria de que a armada de Zheng He seguiu adiante e contornou o Cabo da Boa Esperança, 60 anos antes que Bartolomeu Dias fizesse o mesmo no sentido contrário. Dali, os chineses teriam se lançado à descoberta do Novo Mundo. Contornar o cabo não seria um desafio tão grande para o ba chuan. A travessia ali é muito mais uma questão de força do que de jeito - não bastava ser um grande navegador, mas era preciso ter uma embarcação capaz de suportar a força dos ventos e das ondas nas "tormentas".

A partir dali, a jornada seria facilitada graças à corrente de Bengala, que sobe pela costa da África, começando no Cabo da Boa Esperança. "O navegante que chegasse ao cabo, vindo do leste, seria levado pela corrente para o norte por 4 800 quilômetros", escreve Menzies. Nessa altura, o navio pegaria carona em outra corrente marítima - a Sul-Equatorial, que faz uma curva para o oeste e desemboca exatamente no norte do Brasil.

Menzies calculou que a armada chinesa tenha passado pelo litoral do Maranhão ou de Pernambuco em setembro de 1421. Não há como saber se houve desembarque, mas Menzies apostou que os chineses toparam com os índios brasileiros e inclusive ficaram bem íntimos das índias: pesquisas feitas por geneticistas americanos no ano 2000 encontraram semelhannças entre genes chineses e de tribos do Mato Grosso do Sul.

Além disso, sabe-se que tribos da Bacia Amazônica sofrem de uma doença chamada chimbere, que causa marcas concêntricas na pele, parecidas com tatuagens. A doença só ataca pessoas com predisposição genética, é passada de pai para filho, e o único lugar onde a situação se repete é o leste da Ásia - lá, a enfermidade se chama tokelau. "O chimbere sul-americano e o tokelau asiático são provas de que houve contato entre as regiões antes da chegada dos europeus", escreveu o geógrafo francês Max Sorre em A Luta Contra o Meio, ensaio científico publicado em 1967 - bem antes de Menzies começar suas pesquisas. Depois de espalhar seus genes pelo Brasil, os chineses teriam entrado no Pacífico pelo sul da Argentina. Dali, foi só fazer a volta ao mundo. E ainda, bem no finzinho da viagem, Menzies acreditou que eles desembarcaram na Austrália.

Em 1965, exploradores desenterraram um enorme leme de navio, com cerca de 12 metros da altura, no estado australiano de Nova Gales do Sul. "Somente um ba chuan teria um leme tão grande", escreveu Menzies, que também apostou no encontro entre os descobridores chineses e os nativos da Oceania. Tanto os aborígenes da Austrália quanto os maoris, povo que vive na Nova Zelândia, contam lendas sobre um grupo de navegantes, "vestidos em longas túnicas", que teria desembarcado em suas terras antes dos europeus (por sinal, há relatos chineses sugerindo que a Austrália já tinha sido descoberta até antes de 1421).

Mas, se tudo isso aconteceu, então por que Brasil e Austrália não falam mandarim e por que não comemos nossos pratos com a ajuda de pauzinhos? A resposta está no amargo regresso de Zheng He à China em 1423. Zhong Di, patrono das navegações, fora derrubado por uma rebelião - e o novo soberano decidiu que conquistar o mundo estava onerando os cofres imperiais.

A marinha chinesa foi praticamente desativada e a maior parte dos documentos relativos à viagem de Zheng He foram queimados pelos censores do novo imperador, que queria desestimular extravagâncias futuras apagando os vestígios das passadas. A China desistiu de conhecer o mundo e decidiu se voltar para dentro, transformando a figura de Zheng He num tabu nacional, representante das tendências expansionistas e contrárias à idéia confuciana de que a China tinha de ficar fechada à influência dos "bárbaros".

Abandonadas ao léu, as colônias chinesas no Novo Mundo definharam, e sua memória se perdeu. Pelo menos até agora.

Fontes: Os descobridores do Novo Mundo - Passeiweb; Revista Superinteressante; Wikipedia.

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