"Contou-me a seguinte estória acontecida na Ilha de Santa Catarina - Ilha dos trezentos engenhos de fabricar farinha de mandioca - o Sr. José Silveira residente no Canto da Lagoa da Conceição: que seus antepassados fizeram uma derrubada no Morro da Lagoa prá mode fazerem uma plantação de mandioca e milho.
Aconteceu - continuou o narrador - que na margem da roça derrubaram um grande tanheiro, bem vazado, que ficou caído ao pé de uma grande árvore que tinha em si um cipó enroscado e que de lá do alto das ramagens deixava cair um grande seio em forma de balanço.
Quando começaram a fazer a plantação, sentiram cheiro de fumaça de querosene, que saía de dentro do vazado do tanheiro, e também porque ali faziam a comida, notaram que as panelas amanheciam sujas e as ferramentas atiradas pelo chão, como se alguém dentro da noite lá aparecesse somente para fazer malvadezas.
Desconfiados com a situação, passaram a vigiar o lugar e constataram que dentro da noite a ramagem da árvore que tinha o balanço, era tomado por luzes de várias formas e tamanhos e que se movimentavam para direções diversas.
Encorajados por uma mulher benzedeira muito entendida e poderosa destas coisas dos outros mundos, subiram o morro protegidos com bentinhos, breves, figas, mostarda, arruda, cisco das três marés, água benta, vela benta, folhas de guiné, que são verdadeiras armas contra o poder diabólico destes trasgos dos infernos.
O que encontraram e viram era horripilante para os olhos humanos. As árvores tinham na base formas de pés de vários animais, lamparinas dançavam metamorfoseadas em forma humana; na boca do tanheiro derrubado estava um bicho em forma de morcego; no alto da árvore a canga do carro de boi estava pousada, ao lado de uma lamparina; um pouco abaixo uma coruja com cara de roda de carro de boi enfeitada com um par de antolhos; e no centro de tudo, de toda fantasmogênese uma bruxa se balançava no cipó fantasiada de cabeça de boi com pernas traseiras e mãos dianteiras, também de boi, e sendo a cabeça uma roda de carro de boi.
Todas as pedras que ali viviam estavam metamorfoseadas em atitude de exorcismo.
A coruja que aparece metamorfoseada no meio da árvore, se destaca como um observador cultural, deste tipo de cultura que o Povo antigo conduz em sua bagagem tradicional ..."
Franklin Joaquim Cascaes (São José, 16 de outubro de 1908 — Florianópolis, 15 de março de 1983), pesquisador da cultura açoriana, folclorista, ceramista, gravurista e escritor brasileiro. Dedicou sua vida ao estudo da cultura açoriana na Ilha de Santa Catarina e região, incluindo aspectos folclóricos, culturais, suas lendas e superstições. Usou uma linguagem fonética para retratar a fala do povo no cotidiano. Seu trabalho somente passou a ser divulgado em 1974, quando tinha 54 anos. Obras: Balanço bruxólico; Nossa Senhora, o linguado e o siri, A Bruxa metamorfoseou o sapato, Balé das mulheres bruxas, Mulheres bruxas atacando cavalos, O Boitatá, Mulheres dando nós em caudas e crinas de cavalos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário