Em Portugal, em 1498, determinou o rei dom Manuel que à
Irmandade da Misericórdia fosse permitido todos os anos, no dia de Todos
os Santos, retirar dos patíbulos os restos ainda pendentes dos
justiçados para lhes dar sepultura.
Foi esta a origem da procissão dos
ossos. Investida a Misericórdia do Rio de Janeiro nos privilégios e
atribuições da sua congênere de Lisboa, que lhe servira de modelo,
assumiu também aqui o mesmo encargo.
À tarde do dia primeiro de novembro começavam a dobrar funebremente
os sinos de todas as igrejas, tocando a defuntos. No início da noite,
concluídas as vésperas, saíam os irmãos da Misericórdia, em solene
cortejo, com os farricocos carregando duas “tumbas” para
recolher as ossadas ao pé da forca.
Era o mais funéreo espetáculo que se
possa imaginar. Quem quiser conhecer a organização desse préstito
encontrará a descrição pormenorizada no velho “compromisso” da Irmandade, no capítulo que diz: “Do modo com que se hão de ir buscar as ossadas dos que padeceram por justiça…”
Cumprida a sua macabra missão, regressava a procissão à igreja da
Misericórdia onde eram depositadas as tumbas. Havia então sermão e
ofício dos mortos. Revezando-se, os irmãos velavam os restos mortais
recolhidos que, na manhã seguinte, eram inumados no cemitério atrás do
hospital.
Com o abrandamento dos costumes e o aperfeiçoamento da civilização,
deixou de ser proferida a sentença de morte natural para sempre e a
procissão dos ossos pouco a pouco foi perdendo a razão de ser, até que
se extingüiu.
Fonte: Coaracy, Vivaldo. Memórias da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1965. Coleção Rio Quatro Séculos, 3
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