segunda-feira, 28 de maio de 2012

Natal sangrento

Thomas Cavendish
Naquele dia de Natal do ano da graça de 1591 três navios de velas desfraldadas ao sopro regular da brisa marinha entraram no porto de Santos. Os moradores da vila fundada por Braz Cubas enchiam as igrejas, ouvindo as missas e sermões da grande festa cristã.

De repente o estrondo da artilharia os encheu de espanto e os lançou em confusão nas ruas. Ao mesmo tempo as embarcações miúdas daquela frota despejavam na praia bandos de homens armados de mosquetes e piques, que, soltando gritos espantosos, foram matando quem esboçava resistência, invadindo casas, as saqueando, se apoderando, também, da casa da câmara e ocupando as posições convenientes pra dominar a povoação.

Eram, na maioria, ruivos, de olhos azuis, grandalhões e barbudos. E um clamor correu de boca a boca em toda a população espavorida.

— Os piratas ingleses!

Pertenciam os três barcos à esquadra do famoso ladrão-do-mar Thomas Cavendish: O Roebuck de capitão Cocke, o Desire (Desejo) de capitão John Davies e o Black Pinesse de capitão Stafford. Tendo os mandado na frente, Cavendish ficara de atalaia na ilha de São Sebastião com dois navios: O Leicester de capitão Southwell e o Daintie de capitão Barker. Quando entrou no porto, dias depois, as tripulações dos primeiros estavam de posse da vila e nela se haviam convenientemente fortificado.

Nesse bruxulear do século 16 os piratas ingleses não davam descanso às feitorias e estabelecimentos lusos da extensa e parcamente defendida costa brasileira. Eram pequenos e disseminados no vasto litoral os núcleos populacionais. A Bahia tinha 24 mil habitantes, Pernambuco 20 mil e havia umas 13 mil almas espalhadas em Itamaracá, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Vicente e Santos.

Esta última vila repelira, em 1581, o ataque do pirata John Whitall com o Minion. Em 1583 fora saqueada por Edward Fenton, que a esquadra espanhola de dom Diogo Flores Valdez, em caminho a Buenos Aires, derrotou e pôs em fuga. Em 1587 Roberto Witrington, com dois navios seus e um do holandês Duarte Esquert, atacara a Bahia, felizmente sem êxito. Em 1595 James Lancaster, associado a Verner, levaria sete navios contra Recife, sendo expulso no fim dum mês de permanência em terra.

Thomas Cavendish era natural de Trimby, Grã-Bretanha, e recebera patente de corsário da rainha Elizabeth, inimiga figadal do império espanhol, sob cujo domínio se encontravam Portugal e o Brasil, quando atacou Santos. Sua profissão de pirata não empanou seu talento de grande navegador. As observações que fez e anotou, nas longas travessias, sobre as marés, as correntes marinhas e o regime eólico no Atlântico, no Pacífico e no Índico enriqueceram consideravelmente o conhecimento náutico de seu tempo.

Saindo da Inglaterra em 1586, pilhou e devastou as colônias espanholas do grande oceano, subindo até a costa da Califórnia e dali rumando às ilhas de Sonda e o cabo da Boa Esperança. Regressou a seu país, carregado de botim, em 1588. Dois anos mais tarde se fez ao mar com destino à costa do Brasil, à frente da esquadra, com que, de surpresa, se apoderou da vila de Santos.

Permaneceu nela cerca de dois meses, tiranizando a população, roubando o que podia, depredando e queimando os engenhos do arredor. Depois navegou ao sul, levando os porões atestados de riqueza. Mas parece que o fato de haver atacado a indefesa povoação brasileira naquele dia santificado do Natal de 1591 trouxe pra ele e seus principais capitães uma verdadeira maldição.

É verdade que, pra Cavendish, o assalto não fora cometido no Natal, que os ingleses respeitam e celebram tradicionalmente, porque, em 1591, já haviam os portugueses adotado o calendário da chamada reforma gregoriana, enquanto na Inglaterra continuava a prevalecer o velho calendário juliano. Assim, o Natal britânico se festejava no dia 25 de dezembro do antigo sistema cronológico, que correspondia no novo, segundo a correção determinada por papa Gregório, em 15 de dezembro. Aliás os ingleses somente viriam a aceitar essa modificação tardiamente, em 1752.

Em 1592 o pirata se apresentou, novamente, diante de Santos. Esperava que a vila estivesse refeita da rapinagem anterior e vinha sequioso de nova roubalheira. Mas dessa vez lhe saiu o ano bissexto, como diz o povo, ou saiu o tiro pela culatra. A população estava alerta e preparada prà luta. Aqueles sinos que repicaram festivamente no Natal do ano anterior, convocando os moradores às cerimônias litúrgicas nas igrejas, então tocaram a rebate, conclamando todos à resistência diante das velas inglesas desfraldadas sobre o mar.

Os piratas ruivos, barbudos e ferozes desembarcaram. Porém foram recebidos por nutrido fogo de pedreiros e mosquetaria, carregados a arma branca, cercados e chacinados sem piedade. Santos tomava sua desforra do Natal triste e sangrento que tivera. Os capitães Southwell, Barker e Stafford morreram no combate e seus marujos e soldados fugiram a bordo, completamente dizimados. Horas mais tarde as velas dos piratas derrotados se apagaram no horizonte e os sinos badalaram no espaço os festivos repiques do triunfo.

Thomas Cavendish entrou em grande fúria e resolveu se ressarcir daquele revés noutros pontos do litoral brasileiro. Não poderia voltar à pátria desonrado e desmoralizado por aquela terrível repulsa, ele que se considerava invencível, um verdadeiro leão-do-mar. Pôs as proas sobre a ilha de São Sebastião mas ali achou a população armada, que o repeliu, também, com novas perdas. Outras perdas e outro revés o esperavam na ilha Grande.

Desfalcado de seus melhores oficiais e aventureiros, com os barcos precisando de refresco e conserto, velejou ao Espírito Santo e entrou na baía de Vitória, ancorando diante de Vila Velha, ao pé do monte íngreme, onde se eleva o pitoresco convento de Nossa Senhora da Penha.

A população entrouxara roupas e alfaias, tudo o que possuía, e se refugiara no seio dos muros conventuais que, do cume do agreste penedo, dominam toda a costa. Os piratas desembarcaram sem achar resistência, porém se viram diante de casas vazias e não encontraram, no arredor, recurso que pudesse minorar a situação. Diante deles Cavendish resolveu atacar e se apoderar do mosteiro e forçar os habitantes da colônia a fornecer mantimento e a pagar resgate.

Todavia pesava sobre ele a maldição do Natal, que violara com o sangue e a rapinagem na vila de Santos. Ao chegar ao pequeno planalto que, do lado do oceano, antecede ao convento, os moradores, armados e organizados, o receberam com uma trabucada que derrubou muitos homens. Os ingleses, enraivecidos, se lançaram a diante em furente investida a arma branca.

Então, houve o milagre: Um cavaleiro armado desceu do céu, que se abriu, mostrando, em resplandecente clarão, o vulto de nossa senhora da Penha e, ajudando os defensores, lhes guiando a carga, acometeu os piratas, lhes deu de rijo e insuflou a todos que o seguiam uma coragem sem limite. Os britânicos recuaram e fugiram aos pendores do morro abaixo, abandonando os mortos, os feridos e as próprias armas.

Lá embaixo, na praia de Vila Velha, diante da gruta, onde outrora vivera o ermitão frei Pedro Palácios, tomaram os batéis e remaram desatinadamente a seus navios. A frota levantou ferro, largou pano, transpôs a barra e se fez na volta do mar. Enfraquecida por tanto revés, após aquela sacrílega vitória de Santos, não podia mais tentar êxito no Brasil e só lhe restava o recurso de regressar, tristemente, à Grã-Bretanha.

Thomas Cavendish não veria mais sua terra natal. Desorientado, baldo de recurso, minado de desgosto e esfalfado pela derrota, foi deperecendo a cada singradura de seus barcos veleiros na travessia do Atlântico e morreu miseravelmente, sendo seu corpo sepultado no mar.

A maldição daquele natal de sangue o perseguira sem trégua.

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Fonte: "Segredos e revelações da história do Brasil", Gustavo Barroso - Edições O Cruzeiro - 2ª edição - Agosto de 1961.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Abrão, o Judeu

Alquimista, mago e filósofo, nasceu cerca de 1362. Iniciou seus estudos no ocultismo sob a orientação de seu pai, continuando depois com um professor de nome Moisés. A fase seguinte de sua vida consiste em numerosas viagens. Atingiu o Egito onde aprendeu uma grande quantidade de segredos da escola de magia de Abramelin. De posse dessa sabedoria secreta, e de uma quantidade de documentos que lhe foram dados pelo próprio Abramelin, Abrão retornou à Europa, fixando-se em Wursburg (Alemanha) e dedicou-se à alquimia. Ele instruiu seus dois filhos na arte da magia, proporcionou imensos dotes para suas três filhas e produziu impressionantes atos de magia na presença de pessoas famosas e importantes da época, inclusive o imperador Sigismundo da Alemanha e Henrique VI da Inglaterra.

Muitos dos fatos concernentes a Abrão, o Judeu, estão contidos num curioso manuscrito que se encontra guardado na Biblioteca do Arsenal, em Paris. Este manuscrito num estilo que indica que seu autor era um semiliterato do século XVIII, apresenta-se como uma tradução de um original hebraico. Seu título completo é O Livro da Sagrada Magia de Abramelin, Conforme Passado por Abrão, o Judeu, para Seu Filho Lamech. O conteúdo do manuscrito consiste na descrição das viagens de Abrão em busca de sabedoria.

A segunda parte do documento é baseada nos textos que Abrão trouxe do Egito, e trata dos rudimentos da magia: o que é a magia? Quais as coisas que devem ser consideradas antes de se iniciar urna operação de mágica’? Como convocar os espíritos’? A última parte atinge o cerne da matéria, tratando de técnicas de provocar visões, reter espíritos familiares, dominar tempestades, transformar coisas e pessoas em diferentes formas e figuras, voar através dos ares, destruir edifícios, curar doenças, descobrir objetos roubados, e caminhar debaixo d’água. Muitas dessas façanhas são realizadas pelo emprego adequado de quadrados e signos cabalísticos.

O mago Abrão


Abrão, foi ao que tudo indica nativo de Mayence, nascido em cerca de 1360. Seu pai, Simon, também foi adepto das investigações ocultistas e da prática mágica e desde cedo guiou seu filho nos estudos. Numa certa fase da vida, a tutoria do pai dá lugar a outro professor identificado com o nome Moisés. Abrão, no entanto ao crescer, rapidamente supera seu segundo mestre ao ponto de descrevê-lo por fim como "um bom homem, mas inteiramente ignorante do Verdadeiro Mistério e da Verdadeira Magia."

Sem um guia a sua altura, a fase seguinte da sua vida é dedicada a numerosas viagens educacionais ao redor do mundo conhecido. Com seu amigo Samuel, boêmio por natureza, ele visita a Áustria, a Hungria, a Grécia até chegar a Constantinopla (atual Istambul) onde se fixou por aproximadamente dois anos. Após isso Abraham viajou para a Arábia, em sua época talvez o maior centro de aprendizagem mística do mundo onde dedicou mais alguns anos de vivência. Em seguida dirigiu-se para a Palestina e então para o Egito onde aprendeu uma grande quantidade de segredos ocultos.

Foi nas terras do Egito que Abrão conheceu Abramelin, célebre filósofo da região, a esta altura já com idade avançada em uma pequena cidade chamada Arach próxima ao Rio Nilo.  Lá ele vivia em uma casa modesta no topo de um pequeno monte coberto de árvores. Um homem gentil e educado, levando uma vida simples e regrada, apóstolo do Temor a Deus e evitando qualquer acúmulo de riquezas. Ele concordou em ensinar sua sagrada arte a Abraham com a promessa de que ele abandonaria seus falsos dogmas e passaria a viver no caminho e sob a lei de Deus.

Pelo preço de dez florins de ouro, que foram distribuídos aos pobres da cidade, Abramelin confiou a Abrão certos documentos contendo uma grande variedade de operações e segredos acumulados durante sua vida. Este conhecimento parece emergir de um cenário ocultista especificamente, mas não exclusivamente judaico. Um exemplo claro disso são as receitas que ele lega para a confecção do óleo e o incenso, que podem ser encontradas de forma idêntica no Pentateuco. Em Êxodo 30:23-25, temos a receita para o Óleo de Abramelim: "Também toma das principais especiarias, da mais pura mirra quinhentos siclos, de canela aromática a metade, a saber, duzentos e cinqüenta siclos, de cálamo aromático duzentos e cinqüenta siclos, de cássia quinhentos siclos, segundo o siclo do santuário, e de azeite de oliveiras um him." Pouco adiante em Êxodo 30:34-36, temos a receita para o Incenso de Abramelim: "Toma especiarias aromáticas: estoraque, e ônica, e gálbano, especiarias aromáticas com incenso puro; de cada uma delas tomarás peso igual; e disto farás incenso, um perfume segundo a arte do perfumista, temperado com sal, puro e santo e uma parte dele reduzirás a pó e o porás diante do testemunho, na tenda da revelação onde eu virei a ti; coisa santíssima vos será."

Após isso Abrão deixa o Egito e segue para a Europa onde eventualmente fixa morada em Würzburg, na Alemanha, tornando-se profundamente envolvido com o estudo da Alquimia. Nesta época ele se casa com uma mulher, provavelmente sua própria prima, que lhe dá três filhas e dois filhos. O filho mais velho foi chamado Joseph e o mais novo recebeu o nome de Lamech.

Assim como seu pai, e provavelmente o pai de seu pai antes dele, Abrão instruiu seus filhos homens nos assuntos ocultos, enquanto que para suas filhas deixou dotes de 100.000 florins de ouro. Esta considerada soma de riqueza, assim como suas muitas viagens demonstram que Abraham foi um homem de posses, a quem nunca faltou sustento e recursos. Tesouro estes que o próprio mago atribuiu aos seus talentos como mágico.

Ele também se tornou célebre ao final da vida ao produzir impressionantes atos de magia na presença de pessoas famosas e importantes de sua época como o próprio Imperador Sigismund da Alemanha, o bispo de Würzburg, Henrique VI da Inglaterra, o duque da Bavária e o papa João XXII. Aqui a narrativa se encerra e não existem detalhes sobre o final da vida de Abrão, sendo que a data e circunstâncias de sua morte são incertas, embora seja estimada como ocorrida em meados de 1460.

Fontes: Dicionário Mágico; Morte Súbita Inc.

Abramelin, o Mago

Abramelin é o nome (ou pseudônimo) de um mago egípcio (ou, apenas, um personagem fictício) que teria ensinado uma poderosa forma de magia cabalística a Abrão, o Judeu no famoso grimório "O Livro da Sagrada Magia de Abramelin, o Mago".

Conhecido através da transcrição, feita pelo inglês Samuel Mathers, de um manuscrito francês escrito provavelmente no século XVIII. Este manuscrito francês, por seu lado, era apresentado como uma tradução de um outro texto, de origem hebraica, descoberto por volta de 145.

A doutrina central do Livro da Sagrada Magia de Abramelin, o Mago (disponível no Brasil em inglês ou em espanhol) é a de que o cosmos é povoado por hostes de anjos e demônios. Os demônios trabalham, em última instância, sob a direção dos anjos. O homem situa-se entre as forças Angélica e demoníaca. E a cada homem é designado um anjo protetor e um demônio tentador. Os grandes iniciados podem controlar os demônios.

O livro descreve um procedimento ritual pelo qual um aspirante espiritual poderia invocar e unir-se com o seu Santo Anjo Guardião, considerado a própria Voz de Deus dentro do indivíduo.

Uma vez obtida a cooperação de seu Santo Anjo Guardião, o aspirante poderia passar a controlar todos os espíritos da natureza e infernais. Por outro lado, caso cometa alguma falha ao executar essa magia, ele poderia tornar-se insano.

Acredita-se tenha sido essa obra a principal responsável pela disseminação do conceito de Anjos da Guarda em nível popular, exercendo tremenda influência no Hermetismo, no Rosacrucianismo e no Neopaganismo.

O Livro de Abramelin é dividido em três livros menores.

O primeiro é a autobiografia de um certo Abraham, o Judeu, que procura a verdadeira e sagrada Sabedoria, e que acumula várias decepções nessa busca. Ele aprende várias formas de magia, mas as acha apáticas, e os seus praticantes menos do que reivindicam ser. Nos últimos momentos antes de abandonar sua busca, Abraham se encontra com um perito egípcio, chamado Abramelin, que concorda em lhe ensinar a Magia Sagrada.

O segundo livro é composto pelas instruções para a Magia Sagrada que Abraham reivindica ter copiado à mão do original de Abramelin. Contem também advertências contra o uso de qualquer outro Grimório, sigilos ou nomes bárbaros de prece, e relaciona uma alternativa maravilhosa para as Horas Mágicas Salomônicas, em detalhes.

O terço final do livro é uma coleção de Talismãs, formados por quadrados-mágicos, aos quais os príncipes e espíritos demoníacos têm que jurar se submeter. Cada talismã pode ser usado para obrigar um espírito a executar uma tarefa, em muito semelhante ao que é receitado nas Clavículas de Salomão.

Um dos talismãs ensinados no livro é este quadrado de letras, que se tornou conhecido pelo nome de "Talismã de Abramelin"

R O L O R
O B U F O
L U A U L
O F U B O
R O L O R

O uso correto desse talismã seria capaz de operar maravilhas como, por exemplo, permitir ao seu usuário voar em forma de Corvo.

O Livro de Abramelin foi estudado por magos modernos, como MacGregor Mathers, Aleister Crowley e Dion Fortune, que são unânimes em sustentar que o "Anjo da Guarda" não deve ser considerado como uma entidade com personalidade própria, mas como a capa mais profunda do subsconsciente, o ego definitivo, o mais autêntico "EU", que, no entanto, participa paradoxalmente da natureza divina.

O Oléo e o Incenso de Abramelin

A receita para o "Oléo de Abramelin" e para o "Incenso de Abramelin" podem ser encontradas em: Êxodo 30:22-25 e Êxodo 30:34-36 respectivamente.

Fontes: Wikipédia; Dicionário Mágico