quarta-feira, 4 de abril de 2012

O corvo

"Numa meia-noite agreste,
quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse,

«está batendo a meus umbrais.
É só isso e nada mais.»

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada,
hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isso e nada mais».

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isto só e nada mais.

Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.»
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
«É o vento, e nada mais.»

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.»
Disse-me o corvo, «Nunca mais».

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome «Nunca mais».

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais».
Disse o corvo, «Nunca mais».

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este «Nunca mais».

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele «Nunca mais».

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais! "


Tradução de Fernando Pessoa (1888-1935).


O poço e o pêndulo

Impia tortorúm longos hic turba furores Sanguinis innocui, non satiata, aluit. Sospite nunc patria, fracto nunc funeris antro, Mors ubi dira fuit vita salusque patent.

"Aqui, a multidão ímpia dos carrascos, insaciada, alimentou sua sede violenta de sangue inocente. Agora, salva a pátria, destruído o antro do crime, reinam a vida e a salvação onde reinava a cruel morte".

(Quadra composta para as portas de um mercado a ser erigido no terreno do Clube dos Jacobinos, em Paris)

Estava exausto, mortalmente exausto com aquela longa agonia e, quando por fim me desamarraram e pude sentar-me, senti que perdia os sentidos. A sentença - a terrível sentença de morte - foi a última frase que chegou, claramente, aos meus ouvidos. Depois, o som das vozes dos inquisidores pareceu apagar-se naquele zumbido indefinido de sonho. O ruído despertava em minha alma a idéia de rotação, talvez devido à sua associação, em minha mente, com o ruído característico de uma roda de moinho. Mas isso durou pouco, pois, logo depois, nada mais ouvi.

Não obstante, durante alguns momentos, pude ver, mas com que terrível exagero! Via os lábios dos juízes vestidos de preto. Pareciam-me brancos, mais brancos do que a folha de papel em que traço estas palavras, e grotescamente finos - finos pela intensidade de sua expressão de firmeza, pela sua inflexível resolução, pelo severo desprezo ao sofrimento humano. Via que os decretos daquilo que para mim representava o destino saíam ainda daqueles lábios. Vi-os contorcerem-se numa frase mortal; vi-os pronunciarem as sílabas de meu nome - e estremeci, pois nenhum som lhes acompanhava os movimentos.

Vi, também, durante alguns momentos de delírio e terror, a suave e quase imperceptível. ondulação das negras tapeçarias que cobriam as paredes da sala, e o meu olhar caiu então sobre as sete grandes velas que estavam em cima da mesa. A princípio, tiveram para mim o aspecto de uma claridade, e pareceram-me anjos brancos e esguios que deveriam salvar-me. Mas, de repente, uma náusea mortal invadiu-me a alma, e senti que cada fibra de meu corpo estremecia como se houvesse tocado os fios de uma bateria galvânica. As formas angélicas se converteram em inexpressivos espectros com cabeças de chama, e vi que não poderia esperar delas auxílio algum. Então, como magnífica nota musical, insinuou-se em minha imaginação a idéia do doce repouso que me aguardava no túmulo.

Chegou suave, furtivamente - e penso que precisei de muito tempo para apreciá-la devidamente. Mas, no instante preciso em que meu espírito começava a sentir e alimentar essa idéia, as figuras dos juízes se dissiparam, como por arte de mágica, ante os meus olhos. As grandes velas reduziram-se a nada; suas chamas se apagaram por completo e sobreveio o negror das trevas; todas as sensações pareceram desaparecer como numa queda louca da alma até o Hades. E o universo transformou-se em noite, silêncio, imobilidade.

Eu desmaiara; mas, não obstante, não posso dizer que houvesse perdido de todo a consciência. Não procurarei definir, nem descrever sequer, o que dela me restava. Nem tudo, porém, estava perdido. Em meio do mais profundo sono... não! Em meio do delírio... não! Em meio do desfalecimento. . . não! Em meio da morte... não! Nem mesmo na morte tudo está perdido. Do contrário, não haveria imortalidade para o homem. Quando despertamos do mais profundo sono, desfazemos as teias de aranha de algum sonho. E, não obstante, um segundo depois não nos lembramos de haver sonhado, por mais delicada que tenha sido a teia. Na volta a vida, depois do desmaio, há duas fases: o sentimento da existência moral ou espiritual e o da existência física. Parece provável que, se ao chegar à segunda fase tivéssemos de evocar as impressões da primeira, tornaríamos a encontrar todas as lembranças eloqüentes do abismo do outro mundo. E qual é esse abismo? Como, ao menos, poderemos distinguir suas sombras das do túmulo?

Mas, se as impressões do que chamamos primeira fase não nos acodem de novo ao chamado da vontade, acaso não nos aparecem depois de longo intervalo, sem ser solicitadas, enquanto, maravilhados, perguntamos a nós mesmos de onde provêm? Quem nunca perdeu os sentidos não descobrirá jamais estranhos palácios e rostos singularmente familiares entre as chamas ardentes; não contemplará, flutuante no ar, as melancólicas visões que muitos talvez jamais contemplem; não meditará nunca sobre o perfume de alguma flor desconhecida, nem mergulhará no mistério de alguma melodia que jamais lhe chamou antes a atenção.

Em meio de meus freqüentes e profundos esforços para recordar, em meio de minha luta tenaz para apreender algum vestígio desse estado de vácuo aparente em que minha alma mergulhara, houve breves, brevíssimos instan-tes em que julguei triunfar, momentos fugidios em que cheguei a reunir lembranças que, em ocasiões posteriores, meu raciocínio, lúcido, me afirmou não poderem referir-se senão a esse estado em que a consciência parece aniquilada. Essas sombras de lembranças apresentavam, indistintamente, grandes figuras que me carregavam, transportando-me, silenciosamente, para baixo... para baixo... ainda mais para baixo... até que uma vertigem horrível me oprimia, ante a idéia de que não tinha mais fim tal descida. Também me lembro de que despertavam um vago horror no fundo de meu coração, devido precisamente à tranqüilidade sobrenatural desse mesmo coração. Depois, o sentimento de uma súbita imobilidade em tudo o que me cercava, como se aqueles que me carregavam (espantosa comitiva!) ultrapassassem, em sua descida, os limites do ilimitado, e fizessem uma pausa, vencidos pelo cansaço de seu esforço. Depois disso, lembro-me de uma sensação de monotonia e de umidade. Depois, tudo é loucura - a loucura da memória que se agita entre coisas proibidas.

Súbito, voltam à minha alma o movimento e o som - o movimento tumultuoso do coração e, em meus ouvidos, o som de suas batidas. Em seguida, uma pausa, em que tudo é vazio. Depois, de novo, o som, o movimento e o tato, como uma sensação vibrante que penetra em meu ser. Logo após, a simples consciência da minha existência, sem pensamento - estado que durou muito tempo. Depois, de maneira extremamente súbita, o pensamento, e um trêmulo terror - o esforço enorme para compreender o meu verdadeiro estado. Logo após, vivo desejo de mergulhar na insensibilidade. Depois, um brusco renascer da alma e um esforço bem sucedido para mover-me. E, então, a lembrança completa do que acontecera, dos juízes, das tapeçarias negras, da sentença, da fraqueza, do desmaio. Esquecimento completo de tudo o que acontecera - e que somente mais tarde, graças aos mais vivos esforços, consegui recordar vagamente.

Até então, não abrira ainda os olhos. Sentia que me achava deitado de costas, sem que estivesse atado. Estendi a mão e ela caiu pesadamente sobre alguma coisa úmida e dura. Deixei que ela lá ficasse durante muitos minutos, enquanto me esforçava por imaginar onde é que eu estava e o que é que poderia ter acontecido comigo. Desejava, mas não me atrevia a fazer uso dos olhos. Receava o primeiro olhar sobre as coisas que me cercavam. Não que me aterrorizasse contemplar coisas terríveis, mas tinha medo de que não houvesse nada para ver. Por fim, experimentando horrível desespero em meu coração, abri rapi-damente os olhos. Meus piores pensamentos foram, então, confirmados. Envolviam-me as trevas da noite eterna. Esforcei-me por respirar. A intensidade da escuridão parecia oprimir-me, asfixiar-me. O ar era intoleravelmente pesado. Continuei ainda imóvel, e esforcei-me por fazer uso da razão. Lembrei-me dos procedimentos inquisitoriais e, partindo daí, procurei deduzir qual a minha situação real.

A sentença fora proferida, e parecia-me que, desde então, transcorrera longo espaço de tempo. Não obstante, não imaginei um momento sequer que estivesse realmente morto. Tal suposição, pese o que lemos nos livros de fic-ção, é absolutamente incompatível com a existência real. Mas onde me encontrava e qual era o meu estado? Sabia que os condenados à morte pereciam, com freqüência, nos autos-de-fé - e um desses autos havia-se realizado na noite do dia em que eu fora julgado. Teria eu permanecido em meu calabouço, à espera do sacrifício seguinte, que não se realizaria senão dentro de muitos meses? Vi, imediatamente, que isso não poderia ser. As vítimas eram exigidas sem cessar. Além disso, meu calabouço, bem como as celas de todos os candenados, em Toledo, tinha piso de pedra e a luz não era inteiramente excluída.

Edgar Allan Poe

"... Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte! Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais! Não deixes pena que ateste a mentira que disseste! Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!» Disse o corvo, «Nunca mais».

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha, E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais, E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais, Libertar-se-á... nunca mais! " (O Corvo).

Este famoso escritor americano se celebrizou, no século XIX, por suas histórias mórbidas e fantásticas. Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 19 de janeiro de 1809, filho de pais atores, mas o destino reservou um duro golpe para o menino e seus irmãos, matando seus pais de tuberculose. As crianças foram recolhidas por pessoas da família e Edgar acabou encontrando abrigo na casa de um tio rico. No entanto, as dificuldades do início da vida provocaram um permanente pessimismo e um espírito macabro que o acompanharam até sua morte.

Poe estudou na Inglaterra durante sua juventude, mas logo voltou aos Estados Unidos, onde frequentou as Universidades de Charlotteville e Virginia. Porém, não conseguiu se enquadrar nos rígidos padrões da época e acabou expulso da Universidade de Virginia.

Por ter um espírito aventureiro e rebelde, foi para a Grécia lutar contra os turcos. Na volta, alistou-se no Batalhão de Artilharia e acabou conseguindo uma indicação para a Academia Militar de West Point. No entanto, nessa época, sua cabeça estava voltada para a poesia e após publicar o seu primeiro livro de poemas , Tamerlane and other poems, by a Bostonian decidiu abandonar a carreira militar.

Em 1833, ganha o prêmio do jornal Philadelphia Saturday Visitor com o seu conto Manuscript found in a bottle. O diretor do jornal, com pena da miséria e da depressão em que o escritor vivia, consegue-lhe um emprego no Southern Literacy , onde ele fica pouco tempo pois se tornara num alcoólatra.

O casamento com sua prima Virgínia, de apenas13 anos, faz Edgar ficar mais confiante. Ele começa a trabalhar em diversos jornais em Nova Iorque e Filadélfia. Em 1840, publica sua primeira coleção de contos, Tales of grotesque and arabesque e Os crimes da rua Morgue, apresentando a figura do detective Dupin, antecessor de Sherlock Holmes.

Mas o destino outra vez surpreende o escritor. Sua mulher é atacada pela tuberculose, doença que matou seus pais. Edgar volta ao alcoolismo e se relaciona com Frances Osgood, para tentar esquecer sua dor familiar. Em 1847, com a morte de sua mulher, Poe se afunda num estado de profundo desespero e passa a viver em constante embriaguez e abuso de ópio. Aos 40 anos, numa taberna, em Baltimore, Edgar Allan Poe passa mal sofrendo de delirium tremens em virtude do consumo exagerado de ópio. Acaba assim falecendo três dias depois num hospital. Era sete de outubro de 1849.

Poe escreveu novelas, contos e poemas, exercendo larga influência em autores fundamentais como Baudelaire, Maupassant e Dostoievski. Admite-se hoje que a culminância de seu talento dá-se no gênero conto. Suas histórias curtas podem ser classificadas tematicamente em dois grupos principais:

a) contos de horror ou “góticos”; b) contos analíticos, de raciocínio ou policiais. Escreveu também contos de humor e contos que anteciparam o que hoje se chama “ficção científica”.

Os contos de horror ou “góticos” apresentam invariavelmente personagens doentias, obsessivas, fascinadas pela morte, vocacionadas para o crime, dominadas por maldições hereditárias, seres que oscilam entre a lucidez e a loucura, vivendo numa espécie de transe, como espectros assustadores de um terrível pesadelo. Muitos destes relatos ainda causam calafrios nos leitores modernos. Entre eles destacam-se O Gato Preto, Ligéia, A Máscara da Morte Escarlate, O coração delator, A queda da Casa de Usher, O Poço e o Pêndulo, Berenice e O Barril de Amontillado, O Retrato Ovalado, Leonor .

Os contos analíticos, de raciocínio ou policiais entre os quais figuram os antológicos Assassinato de Maria Roget, Os crimes da Rua Morgue e A carta roubada, ao contrário dos contos de horror, primam pela lógica rigorosa e pela dedução intelectual que permitem o desvendamento de crimes misteriosos. É o início do que se convencionou chamar de literatura policial.

Poe não foi apenas um notável contista. Foi também o primeiro grande teórico do gênero, ressaltando no conto três elementos básicos: a estrutura centrada num efeito único, o valor dominante do clímax (o desfecho do conto) e o despojamento da expressão. Aliás, a linguagem das histórias curtas de Poe é elevada, porém direta, apresentando diálogos de grande força dramática que conduzem o leitor por um mundo labiríntico e asfixiante.

Enquanto os demais autores se concentravam no terror externo, no terror visual se valendo apenas de aspectos ambientais, Poe se concentrava no terror psicológico, vindo do interior de seus personagens.

Estes sofriam de um terror avassalador, fruto de suas próprias fobias e pesadelos, que quase sempre eram um retrato do próprio Poe que sempre teve sua vida regida por um cruel e terrível destino. Não há conto algum de Poe narrado em terceira pessoa e é sempre "ele" que vê, que sente, que ouve e que vive o mais profundo e escandente terror. São relatos em que o delírio do personagem se mistura de tal maneira à realidade que não se consegue mais diferenciar se o perigo é concreto ou se trata apenas de ilusões produzidas por uma mente atormentada.

Numa época em que começava a se desenvolver o espiritismo na América do Norte, Poe se valhe desses argumentos e povoa suas obras com novas sensações e angústias onde reencarnação, hipnotismo ou mesmerismo eram quase sempre presentes. Mas em todos os contos, ou em quase todos, sempre há um mergulho, em certas profundezas da alma humana, em certos estados mórbidos da mente, em recônditos desvãos do subconciente.

Por isso mesmo a psicanálise lança-se com afã ao estudo da obra de Poe, porque nela encontram exemplos em grande quantidade para ilustrar suas demonstrações. Independentemente, porém, desses aspectos, o que há nela é um talento narrativo impressionante e impressivo, uma força criadora monumental e uma realização artística invejável, que explicam o ascendente enorme que até os nossos dias exercem os contos de terror de Edgar Allan Poe.

O segredo da guilhotina


Às 7 horas da noite de 5 de junho de 1864, o Dr. Edmundo Couty de La Pommerais, que fora transferido das prisões da Conciergerie à da Roquette, estava sentado na cela dos condenados à morte.

Taciturno, imóvel, com os olhos parados, apoiava-se numa cadeira. A vela sobre a mesa iluminava seu rosto pálido, paralisado. A dois passos dele um carcereiro com os braços cruzados, encostado na parede, o vigiava.

Quase sempre, prisioneiros eram obrigados a trabalhar todos os dias e do soldo que recebiam era descontado pela administração, como prioridade, o custo de um caixão no caso de morte. Mas os condenados à morte não tinham trabalho obrigatório.

No rosto do prisioneiro não havia nem medo nem esperança. Tinha 34 anos, moreno, de estatura mediana, forte; nas têmporas os cabelos começavam a clarear; o olhar instável, a testa larga, mãos agitadas; a fisionomia calma e os modos distintos.

No Tribunal do Sena, a defesa do advogado Lachaud, apesar de brilhante, não alterara na consciência dos jurados a impressão transmitida pela acusação do senhor de Vallés. E La Pommerais, acusado de ter ministrado, com premeditação e fim delituoso, doses mortais de digitalina a uma senhora sua amiga - a Sra. De Pauw - ouviu a sentença de morte, conforme artigos 301 e 302 do Código Penal.

Naquela noite ele ainda ignorava a rejeição do recurso da pena e de qualquer audiência solicitada pelos seus familiares. Seu defensor foi atendido com displicência pelo imperador. O venerável abade de Crozes, que a cada execução suplicava branduras nas Tulherias, voltara sem nada conseguir. Comutar uma pena de morte poderia aparecer como uma abolição. Abrir-se-ia um precedente muito grave. O carrasco fora avisado que a execução seria no dia 9, às 5 horas da manhã.

Subitamente, um estrepitoso bater de coronhas de fuzil ressoou no corredor, a fechadura rangeu, a porta se abriu e o diretor da Roquette surgiu acompanhado de visitante que La Pommerais reconheceu como sendo Armand Velpeau, ilustre cirurgião. A um sinal o carcereiro saiu e o diretor, após formal apresentação entre os dois colegas, também se retirou.

* * *

Velpeau alcançava seus 60 anos. No apogeu da sua fama, herdeiro da cátedra de Larey no Instituto, primeiro professor de clínica cirúrgica de Paris, era tido, pelos trabalhados executados, um luminar da patologia da época.

Depois de breve silêncio, ele disse:

- Entre médicos as condolências são inúteis. Por outro lado, uma moléstia - da qual morrerei nos próximos dois anos, ou, no máximo, dois e meio - me classifica, com alguns meses de distância do colega, na categoria dos condenados à morte. Vamos então ao que interessa.

- Então, segundo o colega e professor, a minha situação é sem esperança? - interrompeu La Pommerais.

- Teme-se - respondeu, simplesmente, Velpeau.

- Assim, a minha hora está marcada?

- Eu ignoro. Como ainda não está nada concretizado, o colega pode contar com alguns dias.

La Pommerais enxugou a fronte pálida com a manga da sua roupa de prisioneiro.
- Seja o que for, estou pronto. Quanto antes acontecer, melhor.

- Se o seu recurso não foi até agora rejeitado - prosseguiu Velpeau - a proposta que venho fazer é condicionada. Se for salvo, tanto melhor, caso contrário...

- Caso contrário?...

Sem responder, Velpeau apoiou o dedo médio no pulso do jovem condenado.

- Senhor La Pommerais, - disse - sua pressão revela tratar-se de um homem muito calmo, de uma firmeza rara. O que pretendo propor ao colega, que deve ficar em segredo, pode parecer, dirigida desta maneira a um médico cheio de energia e bastante destemido, uma extravagância ou mesmo uma intenção maldosa. Mas, mesmo que ela possa consterná-lo, no primeiro instante, espero que o colega a leve em consideração.

- Tem toda a minha atenção - respondeu La Pommerais.

- O amigo não ignora - continuou Velpeau - que uma das questões mais interessantes da fisiologia moderna é saber se algum resto de memória, reflexão, sensibilidade, persiste no cérebro do homem, depois que a cabeça lhe é decepada.

Ante tal preâmbulo, o condenado assustou-se, mas recompôs-se em seguida:

- Quando o professor entrou, - respondeu - eu imaginei mesmo alguma coisa nesse sentido, mas que pudesse ser interessante para mim.

- O colega certamente está informado dos trabalhos escritos sobre tais problemas: de Sommering, de Sue, de Sédillot, e de Bichat, até os mais modernos.

- Certa vez assisti seu curso sobre dissecação no cadáver de um justiçado.

- Ah! E tem noções exatas, numa visão cirúrgica, sobre a guilhotina?

La Prommerais respondeu com frieza:

- Não.

- Hoje mesmo estudei detalhadamente a guilhotina - prosseguiu Valpeau, sem comoção. - É um instrumento perfeito. Age a um só tempo como foice e como clava, corta o pescoço do paciente num terço de segundo, exatamente. O decapitado, com a rapidez fulminante do golpe, não sente nenhuma dor, como a de um soldado que perde o braço na explosão duma granada. A sensibilidade, pela exigüidade do tempo, é nula.

- Talvez a dor venha depois...

- Bérard fez justiça a essa fantasia - interrompe prontamente Velpeau. - Estou plenamente convicto, baseado em numerosas experiências e observações generalizadas, que o rompimento instantâneo da cabeça resulta numa anestesia absoluta. Saber que a síncope, provocada pela repentina perda de quatro a cinco litros de sangue - freqüentemente com força de expansão de projeção circular de um metro de diâmetro - deveria tranqüilizar os mais medrosos.

Quanto às reações inconscientes da estrutura carnal, mesmo que subitamente sustada no seu processo, não são indícios de sofrimento como no frêmito de uma perna cortada, cujos músculos e nervos se contraem depois da amputação, sem sofrimento do indivíduo. Eu digo que a febre nervosa da incerteza, a preparação da solenidade da execução, o assombroso despertar no dia fatal, se apresentam como os terríveis sofrimentos. Sendo, portanto, imperceptível a amputação, a dor real é imaginária.

Um golpe assim violento na cabeça, não só não é sentido, como não lhe deixa a consciência do fato: a simples lesão das vértebras provoca absoluta insensibilidade. A rescisão da cabeça, o corte da espinha dorsal, a interrupção das relações orgânicas entre o coração e o cérebro, não seriam então suficientes para exterminar qualquer sensação, mesmo íntima ou vaga, da dor? Creio que sim.

- Pelo menos eu espero que sim, mais ainda do que o professor! - responde La Pommerais. - Ainda que haja qualquer sofrimento físico - apenas concebido pela desordem sensorial e o sufoco crescente da morte - não é isso que eu temo. E outra coisa...

- Pode me explicar? - perguntou Velpeau.

- Escute, - murmurou Velpeau, depois de um instante de silêncio. - Eu penso que os órgãos da memória e da vontade estejam isolados na passagem da lâmina! Temos experimentado muitos equívocos até hoje, para que se possa falar da inconsciência imediata de um decapitado. Quantos homens, questionados, têm se dedicado ao problema?... Memória dos nervos? Movimentos reflexos? Não. Recorda-se da cabeça daquele marinheiro que, na clínica Brest, um quarto de hora após sua decapitação, moveu seus maxilares, talvez voluntariamente, partindo em dois um tudo colocado entre eles?... Para não escolher apenas este exemplo entre tantos outros, a questão seria saber se existe ou não o ego deste homem, que contrai os músculos da cabeça exangue. Quem poderia revelar isso? Antes de oito dias eu vou saber, mas... também esquecerei!

- Depende mesmo do colega esclarecer a humanidade a respeito, definitivamente - respondeu calmamente Velpeau, olhos fixos no interlocutor. - E falemos claro, é exatamente por isso que estou aqui. Fui delegado por uma comissão dos mais eminentes colegas da Faculdade de Paris, junto ao colega, aqui, para fazer a última tentativa junto ao imperador.

- Explique... Não entendo... - respondeu perplexo La Pommerais.

- Senhor de La Pommerais! Em nome da ciência, que nos é muito importante e que não conta mais com inúmeros mártires magnânimos, venho reclamar - na hipótese de alguma experiência entre nós for possível - reclamar de todo seu ser toda a energia e a coragem que se possa conseguir de um ser humano. Se o seu recurso de graça for negado, o colega estará numa condição ímpar como médico, competente e lúcido, a sofrer uma suprema e fatal cirurgia. Assim, seria inestimável sua cooperação comunicação experimental, em busca de esclarecimentos sobre o corpo e as sensações. A ocasião deve ser aproveitada. No caso de um sinal de inteligência, identificado depois da execução, o colega vai deixar um nome cuja glória científica obscurecerá para sempre a lembrança da sua culpa social.

- Ah! - murmurou La Pommerais, pálido mas com um sorriso resoluto. - Começo a compreender!... E de que natureza seria a experiência? Choque elétrico? Excitação do nervo ciliar? Injeção de sangue arterial?

- Ao colega é dispensável salientar que, depois da triste cerimônia, o seu cadáver irá repousar em paz sob a terra e que nenhum dos nossos instrumentos serão usados nele - acrescentou Velpeau. - Ao cair da lâmina estarei de pé diante do colega, junto à guilhotina. O mais rápido possível, a sua cabeça passará das mãos do carrasco às minhas. Então, gritarei, claramente, ao seu ouvido: "Senhor de La Pommerais, pode neste momento abaixar três vezes a pálpebra do olho direito, conservando o outro aberto?"

Se então puder o colega, quaisquer que sejam as outras contrações faciais, puder fazer o tríplice piscar de olhos, me avisando que me ouviu e compreendeu, provando assim o uso da memória e da vontade através do seu músculo palpebral, do nervo zigomático e da conjuntiva - controlando todo o horror e a onde de impressões do seu ser - bastará para iluminar a ciência e elevar nossas convicções. E seu nome, esteja certo disso, será anunciado de maneira que o colega será lembrado no futuro, não como um delinqüente, mas como um herói.

Diante destas palavras, La Pommerais pareceu tão emocionado que, com suas pupilas dilatadas e fixas no cirurgião, permaneceu alguns minutos em silêncio, imóvel. Depois se ergueu e deu alguns passos, balançando a cabeça com ar tristonho:

- A horrível violência do golpe vai me fazer desmaiar. Realizar o que me pedes, fica acima de toda a vontade e esforço humano. Mas, diz-se que as chances de vida não são as mesmas para todos os guilhotinados. Então volte, professor, no dia da execução. Responderei se concordo ou não com a empreitada, ilusória e impressionante. Se eu não concordar, conto com a sua palavra que a minha cabeça sangrará totalmente, até a última gota, no vaso de barro.

- Está bem, senhor de La Pommerais - disse Velpeau, levantando-se - reflita bem sobre o caso. Em seguida o doutor Velpeau saiu da cela. O carcereiro reapareceu e o prisioneiro se deitou, resignado, para dormir ou sonhar.

* * *

Quatro dias depois, às cinco e meia da manhã, o diretor da Roquette, o abade Crozes, os senhores Claude e Potiers, este conselheiro da corte imperial, penetraram na cela.

O doutor de La Pommerais, ao saber da notícia fatal, se conservou de cabeça baixa, muito pálido. Depois se levantou e se vestiu rapidamente. Em seguida, conversou cerca de dez minutos com o abade Crozes, ao qual já agradecera a visita. Ao avistar o doutor Velpeau anunciou:

- Tenho trabalhado, veja!

E, durante toda a leitura da sentença, conservou fechada a sua pálpebra direita, olhando o cirurgião com o olho esquerdo bem aberto.

Ao final, Velpeau se inclinou demoradamente diante do colega, depois voltou-se para o carrasco, que entrava com seus ajudantes, e trocou com ele um sinal, como a confirmar um tratado.

O apresto foi rápido. O fenômeno dos cabelos que se branqueiam rapidamente ao corte da tesoura nos condenados à morte, não ocorreu. La Pommerais recusou o copinho de aguardente e o cortejo seguiu pelo corredor. Diante do pátio, estando na porta o colega, murmurou-lhe:

- Daqui a pouco... adeus!

* * *

De repente os grande portões de ferro do presídio, que davam para a rua, se abriram.

A aurora despontava. Via-se a praça, organizada por um duplo cordão de cavalarianos. No centro, num semicírculo de guardas a cavalo, surgia o patíbulo. A uma certa distância, além do grupo de jornalistas, não havia ninguém. Mais embaixo, atrás das árvores, ouviam-se os rumores bestiais da multidão, cansada da vigília. Nas coberturas das tavernas, nas janelas, jovens corrompidas, lívidas, em roupas excêntricas; outras, ainda trazendo nas mãos as garrafas de vinho - surgiam acompanhadas de tristes casacas pretas. Já as andorinhas, madrugadoras, voavam em círculos, sobre a praça.

O cadafalso parecia prolongar até o horizonte a sombra dos seus braços estendidos, entre os quais, lá em cima, muito mais distante, no clarão da alvorada, se via brilhar a última estrela.

Diante deste fúnebre espetáculo, o condenado teve um calafrio; depois se aprumou e caminhou direto ao palco, inclinando-se na posição de entrega. A lâmina triangular brilhava junto ao negro madeirame; cinco pessoas se perfilavam no patíbulo e o silêncio, naquele momento, se tornou tão profundo que o leve rumor de um ramo quebrado pelos pés de um curioso chegou até o trágico grupo.

Soando a hora em que lhe foi negado o último recurso, o doutor de La Pommerais pôde ainda ver, do outro lado, seu ilustre colega, que o observava. Fechou os olhos, concentrando-se.

A mola escapou bruscamente, o botão cedeu e o brilho da lâmina oscilou. Um choque violento sacudiu a plataforma e os cavalos se agitaram, como a sentir o cheiro de sangue; o eco do barulho ainda vibrava quando a cabeça ensangüentada da vítima parecia palpitar entre as mãos do doutor Velpeau, avermelhando-lhe os dedos, os punhos, a roupa.

Era um rosto terrivelmente branco, olhos escancarados, com os supercílios arqueados e a boca contraída; os dentes pareciam soltos e o mento, na extremidade da mandíbula, estava cortado.

Velpeau curvou-se sobre a cabeça e, junto à orelha direita, fez a pergunta combinada. Apesar de preparado para aquela contingência, sobressaltou-se, sentindo um frio percorrer-lhe a coluna: a pálpebra do olho direito se abaixou, enquanto o olho esquerdo fixou-o, escancarado.

-Em nome de Deus e do nosso ser, mais duas vezes este sinal! - gritou, confuso.

Os cílios separaram-se, como sob esforço interno, mas a pálpebra não mais se ergueu e a fisionomia se tornou, aos poucos, rígida, gélida e, por fim, imóvel. Era o fim. Então o doutor Velpeau entregou a cabeça exangue ao carrasco, que a colocou num cesto, segundo os costumes, entre as pernas do corpo quase rígido.

O célebre cirurgião lavou as mãos numa das vasilhas destinadas à lavagem da guilhotina. O público se dispersava, silencioso. Também em silêncio, o doutor enxugou as mãos e caminhou a passos lentos, preocupado, até o coche que o esperava junto ao portão.

Ao sair observou a lúgubre carreta que se afastava rapidamente, para o cemitério dos justiçados.

por Villiers de L'Isle-Adam

O quarto vermelho

H. G. Wells
“Posso assegurar-lhe”, disse eu, “que somente um fantasma bem tangível poderá me assustar”. E postei-me diante da lareira, com meu copo na mão.

“A escolha é sua”, disse o homem do braço mirrado e lançou-me um olhar de soslaio.

“Vinte e oito anos”, disse eu, “já vivi e nunca vi um fantasma.”

A velha senhora estava sentada, olhando fixamente para o fogo, os olhos opacos bem abertos. “É”, disse subitamente, “e há vinte e oito anos você vive e nunca viu uma casa como esta, é verdade. Há muitas coisas para ver quando ainda se está com vinte e oito anos.” Ela balançou vagarosamente a cabeça de um lado para o outro. “Muitas coisas para ver e lamentar.”

Eu tinha uma leve suspeita de que os dois velhos estavam tentando acentuar os horrores espirituais de sua casa mediante seu zunido insistente. Coloquei meu copo vazio na mesa e dei uma olhada à volta da sala; tive um vislumbre de mim mesmo, diminuído e disformemente alargado, no antigo e estranho espelho no extremo da sala. “Bem”, disse eu, “se eu vir algo esta noite, ficarei mais sábio. Pois, vim tratar do caso com espírito aberto.”

“A escolha é sua”, disse o homem do braço mirrado novamente.

Ouvi o som de um bengala e passos trôpegos nas lajes do corredor externo, e a porta rangeu nas dobradiças quando um segundo velho entrou, mais curvado, mais enrugado, mais idoso ainda do que o primeiro. Ele apoiava-se em uma única muleta, seus olhos estavam cobertos por uma sombra e seu lábio inferior, meio repuxado, pendia pálido e estriado de rosa de seus dentes estragados e amarelados. Ele dirigiu-se imediatamente para uma poltrona no lado oposto da mesa, sentou-se desajeitadamente e começou a tossir. O home do braço mirrado lançou ao recém-chegado um breve olhar de total aversão; a velha ignorou sua chegada e permaneceu com os olhos fixos no fogo.

“Eu disse: a escolha é sua”, disse o homem do braço mirrado, quando o outro velho parou de tossir por um momento.

“A escolha é minha”, respondi.

O homem da sombra pela primeira vez deu-se conta de minha presença e pendeu momentaneamente sua cabeça para trás e para os lados, para observar-me. Pude ver, por um instante, os seus olhos, pequenos, brilhantes e avermelhados. Então ele começou a tossir e a cuspir novamente.

“Ora, por que você não bebe alguma coisa?” disse o homem do braço mirrado, empurrando a cerveja em sua direção. O homem da sombra encheu um copo com um braço trêmulo que derramou a metade do líquido na mesa de pinho. Uma sombra monstruosa dele rastejava na parede e fazia troça de seus gestos enquanto se servia e bebia. Devo confessar que não imaginava encontrar esses curadores grotescos. Para mim, existe algo de inumano n senilidade, algo de rastejante e atávico; as qualidades humanas parecem abandonar imperceptivelmente os velhos dias após dia. Aqueles três fizeram-me sentir pouco à vontade, com seus silêncios sombrios, seus corpos encurvados, sua clara hostilidade tanto com relação a mim quanto entre si.

“Se”, disse eu, “você me levarem ao seu quarto mal-assombrado, eu me instalarei confortavelmente lá.”

O velho da tosse atirou a cabeça para trás, tão subitamente, que dei um salto, e lançou-me um outro olhar de seus olhos inflamados por debaixo da sombra; mas ninguém me respondeu. Esperei um minuto, fitando-os um a um.

“Se”, disse eu, um pouco mais alto, “se vocês me levarem a esse quarto mal-assombrado, eu os livrarei do trabalho de me fazerem sala.”

“Há um candeeiro na prancha do lado de fora da porta”, disse o homem do braço mirrado, olhando para meus pés enquanto falava. “Mas se você for ao quarto vermelho esta noite...”

“Justamente esta noite!”, disse a velha.

“Você irá sozinho.”

“Muito bem”, respondi. “E onde fica?”

“Vá pelo corredor”, disse ele. “até chegar a uma porta, e além dela há uma escada em caracol e na metade dela há uma plataforma e outra porta coberto com uma baeta. Atravesse-a e siga pelo corredor até o fim. O quarto vermelho fica à esquerda, logo adiante.”

“Entendi direito?”, disse eu repetindo as instruções. Ele em corrigiu em um ponto.

“E você vai mesmo?”, disse o homem da sombra, olhando novamente para mim, pela terceira vez, com aquele estranho, bizarro repuxo no rosto.

(“Justamente esta noite!”, disse a velha.)

“Foi para isso que vim”, disse eu e me dirigi para a porta. Enquanto o fazia, o velho da sombra levantou-se e cambaleou em volta da mesa, para aproximar-se dos outros e do fogo. Na porta, virei-me, olhei para eles e vi que haviam se juntado, escuros, contra o fogo da lareira, encarando-me sobre os ombros, com uma expressão concentrada em seus rostos envelhecidos.

“Boa noite”, disse eu, abrindo a porta.

“A escolha é sua”, disse o homem do braço mirrado.

Deixei a porta aberta até que a chama da vela ficasse bem acesa e então fechei-a e caminhei pelo corredor gelado e ressonante.

Devo confessar que a singularidade desses três velhos pensionistas a quem a proprietária encarregara de cuidar do castelo e a mobília antiquada da sala do zelador na qual eles haviam anteriormente se reunido afetou-me, a despeito de meus esforços em manter minha frieza de espírito. Eles pareciam pertencer a uma outra era, uma era remota, quando as coisas espirituais eram diferente das nossas, menos claras; uma era em que se acreditava em presságios e em bruxas – e acima de tudo em fantasmas.

Sua própria existência era espectral; o corte de suas roupas, estilos nascidos em cérebros mortos. Os ornamentos e objetos úteis da sala a sua volta eram fantasmáticos – pensamentos de homens desaparecidos, que ainda assombravam, mais do que dele participavam, o mundo de hoje. Mas com um esforço consegui despachar tias pensamentos. O corredor subterrâneo, comprido e atravessado de correntes de ar, era gelado e empoeirado, minha vela tremulava e fazia as sombras tremerem e se agitarem. Os ecos soaram acima e abaixo da escada em caracol, e uma sombra veio de baixo, velozmente em minha direção e outra correu à minha frente, para a escuridão acima. Cheguei ao patamar e parei ali por um instante, à escuta de um farfalhar que imaginei ter ouvido; então, convencido pelo silêncio absoluto, abri a porta com a baeta, detive-me no corredor.

Os pêndulos

Segundo alguns livros, o pêndulo (ou a radiestesia) teria surgido mais ou menos por volta de 1798 na França. É claro que as práticas com o pêndulo eram usadas muito antes que isto. Os etruscos, os persas e os romanos os usavam das mais variadas formas, desde localizar fontes de água até na solicitação da comunicação com os mortos. 

Esta última ficou bastante conhecida e muito usada no Renascimento onde alquimistas usavam os pêndulos para conversar com os mortos, também chamada de necromancia, uma antiga arte do ocultismo, cujas raízes se perdem no tempo, mas suas formas ritualísticas se assemelham ao Vodu.

A necromancia era um dos ritos nos quais o pêndulo é usado para localizar corpos e, através do amálgama de ciência e magia, controlar um espírito. Para isto se tornar possível eram feitos selos, "Selos Necromantes", os quais em sua maioria eram runas desenhadas com o intuito de proteção e controle sobre o desencarnado. É obvio que tal prática traz riscos, além de que para se invocar um espírito escravo se fazia necessário possuir parte de seus restos mortais.

Mas as técnicas radiestésicas não se aplicam só a isto. O pêndulo é usado na limpeza de casas e também no planejamento e na disposição dos móveis em uma casa, para tratamento com cromoterapia, para identificar a qualidade salutar de cada Chakra entre outros.

Fonte: O Sobrenatural Art Blog.

Aleister Crowley

Aleister Crowley
Aleister Crowley (12 de Outubro de 1875 — 1 de Dezembro de 1947) foi sem sombra de dúvida o maior mago do século XX. Suas explorações no campo das drogas e do sexo são enfatizadas em demasia por quase todas as pessoas que se põe a falar sobre ele. Essa sua faceta poderia ser explicada (talvez até possa ser justificada) como uma fuga genial da pútrida sociedade ultrapuritana em que foi criado.

O protestantismo vitoriano foi uma das manifestações mais repressoras de que já se teve notícia e Crowley, juntamente com alguns artistas de vanguarda de sua época teve a ousadia de se colocar contra todo esse sistema de valores e criar um sistema próprio, que por pior que fosse era melhor do que o sistema estabelecido.

A mente de Crowley, um misto de Nietzsche e Rabelais, com uma estética egípcia e um negro senso de humor, era, de certa forma, inescrutável. Apesar de freudianamente seus complexos serem óbvios, lendo Crowley nunca se tem certeza do que ele realmente quis dizer. Ele brincava com o leitor, geralmente o superestimando (principalmente nos primeiros livros, cheios de referências obscuras imprecindíveis para a compreenção da obra). Apesar disto escreveu excelentes poesia e prosa, mas que de forma alguma superaram o interesse do mundo na história de sua vida, atribulada, trágica e cheia de aventuras como foi, por si só uma obra de arte.

Crowley nasceu em 1875, filho de um pastor de uma seita fundamentalista protestante, que também era dono de uma fábrica de cerveja. Seu pai morreu cedo, deixando boas lembranças no menino, mas sua mãe, segundo ele, era uma "estúpida criatura", e as brigas da adolescência logo fizeram com que sua mãe o chamasse de "Besta", apelido que adotou posteriormente e que lhe trouxe boa parte da fama.

Na escola se mostrou brilhante e obediente, até que foi culpado injustamente de um pequeno delito e foi posto de castigo, a pão e água, o que piorou sua já fraca saúde (tempos depois lhe receitariam heroína para a asma, substância que usou até os 72 anos de idade, quando morreu de parada cardíaca). Crowley nunca esqueceu desse tratamento, e desde menino começou a achar que havia algo de errado com o "senso comum" da época. Decidiu ser um homem santo, e cometer o maior pecado, como em uma lenda dos Plymouth Brothers (culto de seu pai) que afirmava que o maior santo cometeria o maior pecado.

Na universidade Crowley finalmente se encontrou. Com muito dinheiro (da herança de seu pai) e livre da repressão da família, exerceu todas as atividades pelas quais ficou conhecido: alpinismo, poesia, enxadrismo, sexo e magia, e, dizem, foi excepcional em cada uma delas. Crowley travou contato com a Golden Dawn, uma ordem pseudo-maçônica de prática ritualística e iniciatória que esteve em seu auge no fim do século passado, quando Crowley a frequentou. Subiu rapidamente pelos graus da ordem, mas foi barrado por um grupo de pessoas que chegaram a afirmar que a "ordem não era um reformatório". Crowley era desconsiderado pelos intelectuais e desprezado pela burguesia, fato que o pode ter levado a suas inúmeras viagens e expedições de alpinismo.

Crowley pode parecer extremamente arrogante e narcisista em seus escritos, mas isso não parece ser verdade, se examinamos sua vida a fundo. Ele sempre buscou o reconhecimento e aprovação das pessoas, e quando notou que isso não era possível, mantendo sua crítica atroz aos absurdos do puritanismo inglês, ele resoleu aparecer fazendo escândalos, reais ou falsificados, ao estilo do esteriótipo "falem mal, mas falem". Mesmo assim em sua autobiografia ("Confessions of Aleister Crowley") ele se mostrou extremamente magoado quando a imprensa marrom inglesa (conhecidíssima até hoje e abominada pela família real inglesa) inventava alguma coisa absurda e terrível ao seu respeito, como em uma ocasião em que o acusaram de comer carne humana na expedição ao monte K2.

A Golden Dawn recusou iniciação a Crowley, mas seu chefe, McGreggor Mathers não. Talvez interessado no dinheiro do jovem Aleister Crowley ele o iniciou, e logo se tornou um mestre para Crowley.

Seus trabalhos mágicos e estudos místicos o levaram as mais diversas partes do mundo, experimentando com todas as formas de catarse e intoxicaçõo, que considerava como bases da religião. Mas pouco a pouco se distanciava de Mathers, que a essa altura já havia se proclamado em contato direto com os "mestres" que regem a terra, e com isso seu autoritarismo se tornou insuportável. Crowley foi o único a defendê-lo até o final, quando percebeu que tudo não passava de uma farsa.

A crença de que existe um grupo de iniciados secretos que carregam o conhecimento humano e são os verdadeiros "chefes" da terra é compartilhada no sentido estritamente literal por muitas pessoas e seitas. Crowley aceitou essa idéia de uma forma ou de outra até o fim da vida, mas empregou diversas interpretações para estas entidades, algumas baseadas na psicologia (recém estabelecida como uma ciência por Freud, na mesma época).

Mas, desiludido com a Golden Dawn, passou alguns meses afastado da magia, e pouco a pouco se reaproximou, trabalhando sozinho.

Então numa viagem ao Cairo em 1904, recém-casado, sua esposa começou a falar algumas coisas estranhas das quais ela não poderia ter conhecimento. Ela o mandou invocar o deus Hórus.

Dessa invocação surgiu um texto pequeno, de três capítulos, intenso e esquisito, ditado por um dos "ministros" da forma de Hórus conhecida por "Hoor-Paar-Kraat", Harpócrates, Hórus, a criança. Aiwass era o nome dessa entidade, depois reconhecida como o Sagrado Anjo Guardião do próprio Crowley. Com isso três coisas estão subentendidas: Aiwass era um dos "mestres" que regiam o presente Éon, dedicado ao Deus Hórus, seu mentor; era também uma entidade não totalmente separada de Crowley, embora devesse ser tratado como tal, alguns poderiam dizer que ele era o self junguiano de Crowley (mesmo ele reconheceu isso), outros, maldosamente, que era sua Sombra (termo que em psicologia junguiana designa a parte de nós que reprimimos e que contém aquilo que temos medo de admitir); Crowley demorou cerca de 5 anos para acatar o que o texto dizia. Uma das profecias previa a morte de seu filho, que acabou por morrer mesmo, de doença desconhecida.

Quando finalmente aceitou o Livro da Lei estava em contato com um corpo germânico de iniciados, que em outro livro dele ("The Book of Lies") encontraram um segredo de magia sexual que pensavam ter o monopólio no ocidente. Nem Crowley havia entedido o que tinha escrito, mas aceitou mesmo assim um alta posição hierárquica na Ordem. Era a Ordo Templi Orientis, que até hoje detém os direitos sobre os textos de Crowley posteriores a 1910.

A O.T.O. existe até hoje (ou melhor existem, visto que houveram cisões e brigas e etc, que somando com os charlatães, devem somar mais de 30 O.T.Os., por alto. A maioria clama legitimidade).

Crowley perdeu muito dinheiro publicando seus próprios livros e os vendendo a preço de banana. E a incompetência de um tesoureiro da O.T.O., que perdeu um galpão cheio de livros num lance mal entendido até hoje, acabou causando sua bancarrota final.

Além da O.T.O. que tinha bases massônicas, Crowley criou um corpo próprio, designado como A.:.A.:.., esse corpo, muito mais velado, deveria servir como que "escola de treinamento" para os possíveis "mestres" da humanidade.

Crowley sobreviveu de doações e venda de livros até o fim da vida. E morreu em relativa miséria, ainda viciado em heroína, pouco tempo depois de terminar seu último trabalho, um livro sobre o Tarô que Lady Frieda Harris havia pintado com suas indicações. Um baralho magnífico.

Bibliografia:

"Confessions of Aleister Crowley", A. Crowley, Penguin
"The Eye in the Triangle", Israel Regardie, New Falcon Publications
"The Legacy of the Beast", Gerald Suster, Weiser.

Fonte: http://www.culturabrasil.org/

Escritório assombrado

As lâmpadas balançavam...
Rosenhein, cidadezinha alemã da Baviera. No escritório de advocacia do Sr. Adam, forças estranhas perturbam a paz e o ritmo de trabalho dos funcionários. Barulhos ensurdecedores, lâmpadas dançam e estouram, enormes flutuações na energia elétrica, fusíveis saltam, campainhas dos telefones soam insistentemente, ao mesmo tempo, fichários de 174 kg. deslocam-se sozinhos, quadros e calendários giram nas paredes etc., etc.

A imprensa local não demora em fazer eco. A TV alemã lança dois programas especiais sobre a casa de Rosenhein. Em pouco tempo a Alemanha toda e o mundo tomam conhecimento da “casa mal-assombrada” de Rosenhein.

Especialistas em Física, sob a direção dos doutores Karger e Zincha, do Instituto de Plasmapsíquica Max-Planck de Munique, após muitas medida e controles, concluem que:

1.º) Os fenômenos desafiam toda explicação pelos meios que possui a física teórica; 2.º) Os fenômenos são resultados de forças não-periódicas, de curta duração; 3.º) Os fenômenos não implicavam efeitos eletrodinâmicos puros; 4.º) Os movimentos dos objetos parecem ser causados por forças inteligentemente controladas; 5.º) A Física neste caso e em outros análogos de Parapsicologia, defronta-se com uma situação completamente nova. Apresenta-se a possibilidade imprevista de realizar descobertas físicas fundamentais estudando o homem. É absolutamente certo que o esclarecimento destes fenômenos terá repercussões sobre nosso conhecimento do homem.

Entra em cena a equipe de parapsicólogos do Instituto de Parapsicologia da Universidade de Friburgo, chefiada pelo Dr. Hans Bender.

Os parapsicólogos constataram também que tudo aumentava de intensidade com a maior proximidade de Ana Maria Schneider, de 19 anos, diminuía à medida que ela se afastava e nada acontecia se ela se ausentava. O Dr. Bender e sua equipe apontam como causa desta fenomenologia a ação “parapsicológica provocada pela senhorita Ana Maria em estado de crise e tensão nervosa”.

A única objeção que se coloca aos trabalhos do Dr. Bender é a explicação final que ele dá aos fenômenos. Classificam-se como casos de Psicocinesia (PK). Seria ação parapsicológica de ordem imaterial, espiritual (dos vivos!). Não existe esta ação. Na realidade trata-se de telecinesia, por telergia, isto é, ação parapsicológica física, material. Daí a necessidade da presença do doente.

Quadros tortos e telefonemas para o 0119, numero da hora certa, atormentaram o escritório de advocacia da Alemanha Ocidental, em 1967. As vezes as lâmpadas balançavam, aparentemente devido a presença da funcionária Ana Maria (foto superior).

Fonte: Assuste-se.